Com a crise, pioram os resultados de grandes redes do varejo
No primeiro semestre deste ano, a receita líquida de oito empresas caiu 3% e o lucro líquido, 52%, na comparação com igual período de 2014, de acordo com estudo da Inepad
Um indicador muito utilizado por especialistas para medir a saúde financeira de uma empresa é a capacidade que ela possui de gerar caixa (ou faturar) em relação ao seu endividamento. Isto é, quanto tempo uma companhia precisa operar para quitar tudo o que deve.
Num momento de crise, portanto, este é um dos indicadores mais observados por analistas de empresas, até porque a queda de consumo atingiu praticamente todos os setores da economia.
A pedido do Diário do Comércio, a consultoria Inepad analisou o balanço financeiro de sete redes de varejo e uma empresa de e-commerce com capital aberto.
A conclusão é que, juntas, Lojas Americanas, Pão de Açúcar, Marisa, Magazine Luiza, Saraiva, Via Varejo, Renner e B2W vão precisar de mais tempo para pagar as dívidas do que precisavam em 2014.
A relação entre a geração de caixa (EBITDA) sobre o endividamento do grupo subiu de 3,19 no primeiro semestre do ano passado, para 4,70 no primeiro semestre deste ano.
Significa que, no primeiro semestre de 2014, o grupo precisava gerar caixa no período de três anos e um mês para pagar as dívidas. Neste ano, de quatro anos e sete meses.
Considerando o mesmo indicador e, agora, as empresas individualmente, a B2W, empresa de comércio eletrônico, é a que está em pior situação, e a Renner, a melhor, de acordo com a Inepad.
A relação entre EBITDA e endividamento da B2W é de 7,68 neste ano. Isso se traduz por quase oito anos de operação para pagar o que deve.
A Renner é que possui a melhor posição do grupo. Sua dívida pode ser quitada com a receita gerada em um ano e três meses de operação.
Por ordem decrescente seguem: Magazine Luiza (6,97), Lojas Americanas (6,02), Marisa (4,85), Saraiva (4,54), Pão de Açúcar (2,64), Via Varejo (2,43) e Renner (1,37).
Apesar de este ser um bom indicador da saúde financeira de uma empresa, Alberto Borges Matias, fundador da Inepad, lembra que as dívidas consideradas das empresas não necessariamente precisam ser integralmente pagas em determinado período.
“Essas empresas têm tradição, são bem conceituadas e possuem crédito no mercado", afirma Matias. "O que elas precisam é se preparar para enfrentar dois anos com queda de vendas e aumento de despesas financeiras, o que não é fácil.”
Os efeitos da crise, de acordo com Matias, aparecem nos resultados das empresas no primeiro semestre deste ano.
De janeiro a junho, a receita líquida do grupo caiu 3% e o lucro líquido, 52%, na comparação com igual período de 2014.
A mediana do endividamento sobre o patrimônio das empresas, outro indicador da saúde financeira das companhias, subiu de 2,10 para 2,38, no período.
Isso quer dizer que, no primeiro semestre do ano passado, a cada R$ 1,00 de capital próprio investido, o grupo possuía R$ 2,10 captados de terceiros.
Neste ano, a relação é de R$ 2,38 captados de terceiros para cada real investido. O endividamento total das oito redes subiu 13% no período.
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CRÉDITO MAIS ESCASSO E CARO
Uma empresa com a relação EBITDA/endividamento acima de 2,5, na avaliação do economista Nelson Barrizzelli, consultor de varejo, costuma ter mais dificuldade de obter dinheiro dos bancos. “Pode até obter crédito, mas vai pagar juros altíssimos”, diz.
O ideal, segundo afirma, é que a empresa mantenha a relação EBITDA/endividamento em 1,2. Nos Estados Unidos, melhor relação é de 1,80. E lá pode ser maior, na avaliação de Barrizzelli, porque as taxas de juros são bem menores do que as do Brasil.
Considerando as empresas do grupo analisado pela Inepad, somente Via Varejo e Renner possuem uma situação financeira mais confortável no momento, com uma relação EBITDA/endividamento abaixo de 2,5.
Apesar de a B2W estar no grupo analisado com a maior relação EBITDA/endividamento, ela conseguiu reduzir essa relação neste ano na comparação com o primeiro semestre do ano passado (8,93).
No caminho contrário, isto é, Pão de Açúcar, Marisa, Magazine Luiza, Saraiva e Via Varejo já pioraram a relação EBITDA/endividamento, de acordo com a Inepad.
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DESAFIOS
O cenário para essas empresas daqui para a frente será desafiador, avalia Aldo Moniz, analista da UM Investimentos, e de Celson Plácido, estrategista-chefe da XP Investimentos.
Do grupo das oito empresas analisadas, Via Varejo e Magazine Luiza, segundo os dois analistas, poderão ter mais problemas de caixa por conta do mercado em que atuam.
Com o orçamento mais apertado por conta da falta de confiança na economia, do aumento do desemprego, dos juros e da inflação, na análise deles, vai ser difícil convencer o consumidor a comprar produtos eletroeletrônicos neste final de ano.
Até mesmo telefone celular e notebook, que foram objetos de desejo dos consumidores há alguns anos, deverão ser deixados de lado.
“O brasileiro vai postergar as compras de tudo o que pode. Até mesmo aquela onda do tablet já diminui”, diz Moniz.
O Magazine Luiza registra esse comportamento do consumidor. No terceiro trimestre deste ano, o faturamento bruto da rede caiu 21,1%, considerando as mesmas lojas, na comparação com igual período do ano passado. Seu prejuízo alcançou R$ 19,1 milhões.
A rede atribui esse desempenho ao “momento econômico adverso e a confiança do consumidor nos mais baixos níveis históricos”.
Pão de Açúcar e Lojas Americanas, na avaliação de Moniz e Plácio, têm mais chances de ter um final de ano melhor porque comercializam alimentos. O tíquete médio da Americanas é de R$ 32.
O Pão de Açúcar já deu sinais, diz Moniz, de melhora na sua situação financeira.
No segundo trimestre deste ano, a rede apresentou prejuízo de R$ 31 milhões. No terceiro trimestre já inverteu o resultado, ao registrar lucro de R$ 33 milhões.
“A rede melhorou a gestão de caixa, fez promoções, diminuiu a antecipação de recebíveis, o que reduziu a sua despesa financeira. A dívida bruta da empresa dos segundo para o terceiro trimestre diminuiu 15%”, diz Moniz.
É provável que a rede Marisa, que fechou quatro lojas em outubro, também consiga ter um fôlego de caixa neste final de ano porque trabalha com produtos mais baratos.
A Lojas Americanas também deve melhorar o desempenho no final do ano, pois, assim como a Marisa, vende produtos mais baratos e alimentos.
“Em 80 anos, a rede só fechou três lojas (de 900) no país. Duas porque não renovaram contrato de aluguel e uma porque não tinha o retorno esperado. A empresa prefere financiar a expansão”, diz.
BUSCA POR EFICIÊNCIA
A crise acabou levando as grandes redes a uma verdadeira corrida por eficiência. Boa parte dos ajustes foi feita no primeiro semestre. É bem provável que, neste semestre, a saúde financeira das empresas seja melhor do que no primeiro.
A avaliação é de Eduardo Terra, consultor de varejo e presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC).
Arezzo, Renner e Hering, por exemplo, cita ele, já conseguiram aumentar faturamento e lucro no terceiro trimestre deste ano, na comparação com igual período de 2014. "Isso é resultado de esforços para ganhos de eficiência", diz.
A busca por eficiência, na avaliação de analistas de varejo e consultores, precisa persistir, pois, para 2016, não há sinais, pelo menos até agora, de mudança deste cenário.
A Via Varejo demitiu 11 mil funcionários neste ano, dos quais 6 mil no terceiro trimestre deste ano, com o objetivo de se ajustar ao novo ritmo de vendas.
As empresas mais preparadas para enfrentar esta crise são aquelas que geram caixa suficiente para pagar o que devem, fazem boa gestão do dinheiro e possuem baixo nível de endividamento, na avaliação de João Carlos Natal, consultor financeiro do Sebrae SP.
Para Natal, vão passar bem pela crise as empresas que possuem rigoroso controle de custos. E isso independe, diz, se a empresa é pequena, média ou grande.
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Fotos: Estadão Conteúdo