Empresa que lançar mais debêntures poderá tomar recursos a juro negativo
BNDES quer estimular grandes companhias a lançarem títulos de dívida em troca da TJLP, hoje em 6% ao ano. Medida pode desafogar crédito para as pequenas empresas
Depois de sinalizar que é preciso reduzir as despesas com as operações de financiamento a juro negativo pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o governo vai incentivar as grandes empresas a emitirem mais títulos de dívidas - as debêntures - para se financiarem no mercado de capitais. Em troca, poderão usufruir de juro negativo.
A ideia é que a medida também abra espaço para as concessões de crédito pelo BNDES a pequenas e médias empresas, que geralmente têm acesso limitado ao mercado de capitais.
Para isso, o BNDES vai oferecer a TJLP (Taxa de Juro de Longo Prazo), hoje em 6% ao ano, para as companhias que mais emitirem debêntures, sejam comuns ou de infraestrutura. As mudanças foram anunciadas após reunião na Anbima (Associação das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) nesta quinta-feira (9/4).
Denise Pavarina, presidente da Anbima, disse que as mudanças miram as emissões de grandes empresas, com rating mínimo de AA e tamanho mínimo de R$ 50 milhões de debêntures ou em Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) para ajudar a financiar esses investimentos. O prazo da emissão deve ser superior a 48 meses.
A ideia do BNDES é usar o juro negativo como um atrativo. Quanto maior for a participação das debêntures no financiamento do projeto, maior será o acesso ao crédito tomado ao custo da TJLP.
Mas haverá um limite. O teto máximo de participação da TJLP na composição do financiamento de um investimento será de 50%. Mais detalhes sobre essa mudança serão divulgados em 30 dias.
Luciano Coutinho, presidente do BNDES, disse que a TJLP será uma moeda mais privilegiada, uma alavanca para a emissão de debêntures de forma geral. "Se a empresa emitir debênture ela terá mais proporção do TJLP", destacou, lembrando que o banco de fomento desde o fim do ano passado já vinha diminuindo o percentual de TJLP para as grandes empresas.
Segundo Coutinho, há uma constatação de que todo o financiamento de longo prazo não pode ser exclusivamente responsabilidade do BNDES. "Já havíamos antevisto esse processo e a necessidade do ajuste", diz. Ele afirmou que a companhia que quiser maximizar o seu nível de acesso à TJLP deverá realizar a emissão de debêntures.
Coutinho disse ainda que esse projeto cria uma alternativa para o financiamento. Seria um complemento, e não uma substituição.
O BNDES irá prover um fundo para as grandes empresas que lançarem debêntures associadas aos projetos de investimento de longo prazo. Esse fundo poderá ser utilizado para o pagamento de juro dos papéis durante um prazo máximo de dois anos.
O diretor da área de Mercado de Capitais do BNDES, Julio Ramundo, disse que o banco de fomento "vai deixar uma linha guardada se o emissor (a empresa) tiver dificuldade de pagar juro e que nesse caso o BNDES pagará ao investidor".
Segundo ele, esse fundo será um suporte de liquidez, uma "garantia", para o pagamento de juros, ou seja, caso a empresa emissora da debênture precise, serão disponibilizados os recursos.
Coutinho diz que esse fundo tem características de uma linha standy by e que o banco de fomento se inspirou no mercado norte-americano, onde o instrumento é chamado de monoline insurance.
"Queremos ajudar a diminuir o risco das emissões aos investidores", diz Ramundo. Segundo Coutinho, esse fundo é relevante para os projetos de greenfield (novos empreendimentos). "Se no meio do caminho houver necessidade de adaptação do projeto, quem investir na debênture não ficará descoberto", afirma.
Ramundo disse, entretanto, que esse fundo não precisa, necessariamente, estar relacionado a projetos greenfield, tampouco a um período específico do projeto. O emissor será responsável pela contratação dessa garantia junto ao BNDES e irá definir em que momento usará os recursos.
O diretor do BNDES afirmou que o conjunto de mudanças indica um benefício capaz de reduzir entre 100 pontos-base a 200 pontos-base o custo total do financiamento tomado pela grande empresa junto ao BNDES.
FINANCIAMENTOS COM MENOR PARTICIPAÇÃO DO GOVERNO
A TJLP é aplicada pelo BNDES em financiamentos ao setor produtivo, como o de infraestrutura e consumo. Praticamente representa um juro real (descontada a inflação) negativo quando a economia passa por um período com o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de 8,13% no acumulado de 12 meses até março. A taxa básica de juros da economia (Selic) é de 12,75% ao ano.
A TJLP, que havia ficado estacionada em 5% ao ano desde janeiro de 2013, subiu 1 ponto percentual neste ano. No fim do mês passado, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse que o modelo de crédito subsidiado pelo BNDES teria que passar por mudanças, já que a diferença entre a taxa negativa e a que o banco adota para captar recurso é bancada pelo Tesouro Nacional. No ano passado, para se ter uma ideia, o Tesouro repassou R$ 61 bilhões aos bancos públicos, dos quais R$ 60 bilhões ao BNDES.
Nesta quinta-feira (9/4), Levy disse que, em função do momento de ajuste fiscal, a possibilidade de expansão do balanço do BNDES com recursos do Tesouro se esgotou, mas ainda assim o banco de fomento tem um papel essencial, até mesmo abrindo espaço para que pequenas e médias empresas consigam acessar mais facilmente os mercados de crédito.
"Queremos usar o que o Brasil já tem para ganhar eficiência. É preciso garantir um ambiente de segurança, de solvência do Estado, para dar tranquilidade às famílias e aos investimentos. A palavra-chave nesse novo ciclo de investimento é eficiência", afirma.
O ministro disse que o governo quer aproveitar a capacidade do mercado de capitais brasileiro e que isso precisa ser feito de forma eficaz, para que todos possam participar. Para Levy, o BNDES soube se renovar e está oferecendo novas ferramentas para os empresários, e que uma economia cada vez mais livre é sinal de maturidade.
Segundo o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, o governo tem procurado adequar, desde dezembro do ano passado, o financiamento direcionado à realidade econômica. Ele citou as alterações no PSI (Programa de Sustentação do Investimento) e disse que as mudanças que estão sendo anunciadas no momento sobre as debêntures de infraestrutura vão no mesmo caminho.
"O Brasil passa por um momento de ajuste. É preciso planejar e criar bases para um novo ciclo de crescimento e desenvolvimento. Esse ciclo depende de investimento, que por sua vez depende de financiamento. É crucial ter uma estrutura de financiamento sustentável do ponto vista fiscal e que atenda às necessidades de financiamento de longo prazo", afirma.
O ministro disse que há uma enorme demanda reprimida por projetos de investimentos, que pode ser contemplada também por meio de concessões. Barbosa afirmou que já foram lançados quatro projetos de estudos para rodovias, que devem ser entregues nos próximos dias. Isso possibilitaria que as estradas fossem concedidas até o fim do ano.
"Os detalhes de cada linha serão anunciados oportunamente, em separado. Todos esses projetos podem se beneficiar da nova estrutura de financiamento que estamos apresentando", afirma.
Barbosa afirmou ainda que o governo também trabalha em investimentos em projetos já concedidos à iniciativa privada. "São projetos que o governo ou os próprios concessionários detectaram que são rentáveis e necessários", conclui.
*Com informações de Estadão Conteúdo.
Foto: Luciano Coutinho, presidente do BNDES / Estadão Conteúdo