Donald Trump e o Sítio do Picapau Amarelo
O presidente eleito dos Estados Unidos quer o protecionismo comercial para gerar internamente empregos industriais. Mas essa fórmula mágica simplesmente não funciona.
O seríssimo Washington Post escreveu há dias que qualquer projeção sobre a política econômica de Donald Trump, que toma posse no próximo dia 20/01, não passa de um jogo de adivinhação.
Um jogo com algumas pistas preocupantes, como o anúncio, na quarta-feira (04/01), de que um de seus principais assessores será Peter Navarro.
Foi ele quem o aconselhou a romper com a área de livre comércio que mantém com o México e a impor uma tributação de dois dígitos sobre as importações da China.
Navarro coordenará um Conselho Nacional de Comércio, a ser criado, com peso semelhante, na Casa Branca, ao Conselho de Segurança Nacional.
Grosso modo, Trump não tem como cumprir, ao menos que o faça de forma simbólica e barulhenta, as promessas que fez a uma parcela desinformada do eleitorado, que vê no protecionismo comercial uma fórmula para manter empregos e lançar um ponto final nos supostos excessos da globalização.
Uma das primeiras iniciativas seria baixar uma tarifa alfandegária “provisória” de 5% ou 10%. É uma hipótese que as consultorias e os lobistas não conseguiram ainda confirmar.
De qualquer modo, não é fácil saber até onde Trump pretende caminhar e quais os obstáculos que enfrentará no Congresso, onde a maioria republicana tem como cultura política o livre comércio como receita da prosperidade.
Há então a possibilidade de o presidente eleito precisar “fazer alguma coisa” para satisfazer seus eleitores economicamente isolacionistas. É aí que mora o perigo.
Esses segmentos de cidadãos foram convencidos de que as administrações anteriores abriram mão dos empregos na indústria, em razão de acordos comerciais desvantajosos para os Estados Unidos.
Seria o exemplo clássico do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), em que os dois outros parceiros são o México e o Canadá.
Pois bem. Na terça-feira Trump disparou uma mensagem por tweet em que ameaçava tributar a General Motors, em razão dos Chevy Cruze que a montadora produz em sua fábrica mexicana.
A GM prontamente respondeu que vendia no mercado americano 190 mil unidades do modelo por ano, mas que apenas 4,5 mil saíam das linhas de montagem do México.
A Ford, que não levou nenhum puxão de orelha e é também muito esperta, anunciou o cancelamento do investimento de US$ 1,6 bilhão numa nova montadora no México.
Em lugar dela, investiria em Detroit US$ 700 milhões para produzir automóveis elétricos, gerando 700 empregos – ao custo, é bom notar, de absurdo US$ 1 milhão por novo operário.
A caipirada que votou em Trump interpretou a informação como o esboço de uma nova política industrial, destinada a “trazer os empregos de volta” e a estimular a compra de produtos americanos.
A CONTA DE CHEGAR QUE NÃO FECHA
Essa hipótese pode até fazer algum sentido. Mas ela é baseada em uma conta que não fecha, segundo excelente reportagem publicada esta semana pela revista britânica The Economist.
Ela afirma, em resumo, que não foi em razão das importações chinesas que os Estados Unidos e os grandes países da Europa assistem ao decréscimo contínuo de empregos industriais.
Esses empregos saem pelo ralo porque, com o avanço da tecnologia, os operários são substituídos por robôs.
Isso é mais evidente em se tratando do setor automobilístico, onde a robótica e os aplicativos que tornam os veículos cada vez mais informatizados foram a solução encontrada para baixar custos e enfrentar a concorrência.
Nos Estados Unidos, depois da crise de 2007-2008, as pessoas deixaram de trocar de carro a cada seis anos e agora trocam a cada sete.
É para trazer esses clientes à periodicidade anterior que as montadoras fazem um esforço gigantesco de investimento.
Um dos dados citados pela Economist é eloquente. A mão-de-obra industrial americana atingiu seu pico em 1979, com 19,5 milhões de empregos. Ela está hoje em 12,3 milhões.
No período 1990-2014, enquanto o emprego industrial dos Estados Unidos caía 31%, a Alemanha registrava queda de 25%, a França e a Suécia caiam 33%, o Japão, 34%, e o Reino Unido, 49%.
Note que nenhum desses países se desindustrializou. São todos geradores intensos de tecnologia e diminuíram a mão-de-obra por meio de um processo intenso de automação.
A AUSÊNCIA DE UMA SOLUÇÃO MÁGICA
Diante disso, a pergunta que se deve fazer a Trump é muito simples: em nome de qual milagre ele pretende fazer com que o emprego industrial recue no tempo e volte a funcionar segundo o modelo de produção dos anos 1980?
Não vai e não poderá fazer isso. Se Trump convenceu seus eleitores de que a mágica era possível, ele simplesmente se comportou como um ilusionista que produziu um diagnóstico equivocado. Abusou da mentira e do senso comum.
Mas deverá, mesmo assim, “fazer alguma coisa” para provar aos eleitores de que estava certo. Precisara então de um bode expiatório, papel para o qual a China caberia com perfeição.
As quinquilharias chinesas com baixa tecnologia eletrônica poderão entrar na linha de tiro da nova equipe de mágicos da Casa Branca. O problema, no entanto, é que não é sensato trombar de frente com a China.
E aqui vai uma única razão. Os Estados Unidos têm um problema fiscal crônico e, por conta dele, emitiram US$ 4 trilhões em títulos da dívida pública.
Acontece que os chineses são portadores de US$ 1,5 trilhão desses papeis, como lembrou ainda esta semana o jornalista Hélio Gurovitz, no portal G1.
Caso os chineses queiram partir para a retaliação, basta colocar no mercado internacional uma parcela desses papeis, para provocar o naufrágio do dólar e praticamente quebrar a economia dos Estados Unidos.
“Ah, mas o Trump prometeu.” Ora, como diria Monteiro Lobato, na boca da sábia boneca Emília, moradora do Sítio do Picapau Amarelo, “pois então que desprometa”.
FOTO: Gage Skidmore/CreativeCommons