São Paulo, 463 anos, aos trancos e barrancos
O vilarejo fundado pelos jesuítas produz hoje mais de 10% do PIB e quase um terço da produção científica do país. Mas também possui 400 mil famílias morando em favelas
Esta é a primeira de uma série de reportagens que o Diário do Comércio publica nesta semana para celebrar o aniversário da metrópole paulistana, destacando a capacidade de resiliência e inovação de seus empreendedores à frente de negócios tradicionais que, reinventados, continuam a prosperar.
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Completar 463 anos nesta quarta-feira (25/01) mereceria apenas um grande bolo de aniversário. Mas São Paulo reúne outros feitos.
O principal deles. Com um orçamento para 2017 de R$ 54,69 bilhões, os 11.6 milhões de habitantes do município não sofrem os efeitos de uma crise fiscal semelhante à do Rio ou Belo Horizonte.
Os números paulistanos são todos eles gigantescos. Reúne 10,7% do PIB brasileiro, é sede de 63% das grandes empresas estrangeiras fixadas no Brasil e tem 28% da produção científica e tecnológica nacional.
Mas há também o reverso da moeda. Um deles: São Paulo possui 1.538 favelas, com 400 mil famílias e 16% da população urbana.
Esse contraste econômico, urbanístico e social não era nem remotamente imaginado pelos 12 jesuítas que criaram em 1554 um colégio de taipas para a cristianização dos indígenas e que recebeu o nome do apóstolo Paulo de Tarso –originariamente Saulo ou Saul, um iminente teólogo do judaísmo que se converteu ao cristianismo em 25 de janeiro de 35 ou 36 d.C. É por isso que a data é associada ao nome dele.
O colégio teve como mentor o padre português Manuel da Nóbrega (1517-1570), dirigente (“provincial”) dos jesuítas na América Portuguesa, e não o espanhol José de Anchieta (1534-1597), na época pouco mais que um noviço de 19 anos, recém-chegado da metrópole.
A história oficiosa é, no entanto, mais complexa. Desde 1531 já se registravam movimentações em que Tomé de Souza entrava em contato com João Ramalho, um aventureiro e polígamo português, fixado no Planalto de Piratininga.
Era esquisito que, em lugar de São Vicente, onde o mar dava fácil acesso a Salvador ou a Lisboa, houvesse algum interesse em se pendurar em terras a 700 metros de altura, tendo, no caminho, uma serra de difícil transposição.
A explicação está no imaginário geográfico da primeira metade do século 16. A atual São Paulo seria um duplo atalho para o rio da Prata e para as riquezas minerais que os espanhóis começavam a explorar no Peru.
O fato é que os jesuítas se tornaram os personagens de importância institucional nessas terras mais pobres do Brasil, que sofreriam pouco antes de 1700 uma hemorragia demográfica, com a corrida ao ouro recém-encontrado na atual Minas Gerais.
Foram também os jesuítas que entraram em choque com os bandeirantes, que não foram propriamente desbravadores do sertão, em busca de pedras preciosas, mas caçadores de índios para transformá-los em escravos.
O grande confronto entre religiosos e sertanistas se deu no ajuntamento guarani de São Miguel das Missões, a noroeste do Rio Grande do Sul.
A própria mitologia em torno das dificuldades próprias aos fazendeiros que se instalaram em São Paulo – até o século 18 com o português como idioma minoritário, e com o plantio de trigo e criação de cavalos – se esvairia em 1790, quando o governador Bernardo de Lorena abriu uma estrada pavimentada com pedras para a subida da Serra.
Foi a “Calçada do Lorena”, precursora das atuais ligações rodoviárias com o litoral.
Por ela o príncipe regente d. Pedro subiu a 7 de setembro de 1822 e encontrou na região do Ipiranga emissários de José Bonifácio, com a informação de que Lisboa pretendia rebaixar institucionalmente o Brasil.
De onde o grito da independência e a comemoração, naquela mesma noite, no único teatro da cidade, localizado no Pátio do Colégio, no terreno hoje ocupado pelo prédio projetado por Ramos de Azevedo e onde está a Secretaria da Justiça.
São Paulo não ganhou sua atual importância econômica em razão dos imigrantes (eles começaram a chegar depois) ou por alguma psicologia diferenciada de empreendedorismo.
O milagre se deu em razão do café, que substituiria o açúcar e se tornaria no Segundo Reinado (1840-1889) o grande produto brasileiro de exportação.
A renda do café permitiu a emergência dos bancos que financiavam o comércio e a indústria. Mas os mecanismos de crédito passaram a ser fortemente direcionados à industrialização a partir da Revolução de 30, com o confisco cambial (um imposto sobre as exportações).
A indústria fortalecida afetou a qualidade do emprego e o aumento da renda do paulistano. Foi um círculo virtuoso que impulsionou o crescimento da cidade e o projeto involuntário de concorrer com o Rio de Janeiro - e sair ganhando - em termos econômicos e culturais.
Nada mal para uma cidade que ainda em meados do século 19 uma população menor que a de São Luís do Maranhão, e onde, durante as comemorações do Quarto Centenário (1954), as ruas Boa Vista e 15 de Novembro (ex-rua da Imperatriz) armazenavam, em seus bancos, a metade do dinheiro em circulação no país.
A cidade agigantou-se com problemas imensos e também com engenhosas soluções que todos experimentamos no cotidiano.
Por fim, seus indicadores, apesar das desigualdades sociais, são de médios para cima. A mortalidade infantil é de 10,7 por mil nascidos vivos até o primeiro ano de idade (a taxa brasileira é de 13,2%, e a do Japão, a mundialmente mais baixa, é de 4%).
A renda per capita é de R$ 1.127, segundo dados de 2010 da Fundação Seade. E o IDH, que mede a expectativa de vida, a renda e a escolaridade da população, é de 0,805 (0,761 para o Brasil).
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