PMDB deixa o governo e isola Dilma na boca do impeachment
Encontro do Diretório Nacional que marcou o afastamento durou apenas 14 minutos, e decisão foi por aclamação
O PMDB oficializou nesta terça-feira (29/03) a ruptura com o governo de Dilma Rousseff, em gesto considerado como o atestado de óbito de uma administração federal que agora segue rapidamente para o impeachment.
A cúpula peemedebista definiu a aclamação como ritual da reunião do diretório nacional, ocorrido nas dependências de uma sala de comissão da Câmara dos Deputados, em Brasília.
Com a aclamação obtida aos quatro minutos dos trabalhos – e não com a votação nominal, como desejava o Planalto, para mapear e atrair dissidentes – o PMDB emite o sinal de unanimidade, que em verdade não existiu integralmente.
Três dos sete ministros que o partido tem no governo resistiram e pretendiam continuar em seus cargos. Entre eles, Kátia Abreu, ministra da Agricultura e amiga pessoal de Dilma. Mas o vice-presidente do PMDB, senador Romero Jucá (RR), afirmou que, de agora em diante, ninguém mais poderá ocupar cargo no governo em nome do partido.
De qualquer modo, o estrago para o Planalto já é definitivo. Atraída pela possibilidade de exercer o Executivo diretamente, com o impeachment e a posse do vice peemedebista Michel Temer, a maioria do partido sabe que deverá arrastar outras legendas interessadas em participar do novo governo.
O roteiro tem tudo para se acelerar a partir de agora. A comissão da Câmara que dará seu parecer sobre a destituição da presidente está cumprindo os prazos.
Dilma teria dez sessões até apresentar sua defesa. Mas a convocação de sessões se dinamizou, com quórum necessário numa sexta-feira (18/03) e numa segunda-feira (21/03), dias em que, em geral, jamais se convocam sessões.
Os partidários do impeachment contaram, para tanto, com a astúcia política e o conhecimento regimental do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara e pouco mais que um cadáver político insepulto, em razão das acusações que o cercam na Comissão de Ética da Casa e no STF (Supremo Tribunal Federal).
Cunha pode argumentar que se limita a cumprir o cronograma estipulado pelo Supremo. O que é verdade.
Também do STF o Planalto recebeu uma surpresa desagradável nesta segunda-feira. O ministro Luís Roberto Barroso afirmou que não caberia àquela Corte entrar no mérito das acusações de que Dilma é objeto.
Em outras palavras, é de atribuição exclusiva do Congresso definir se houve ou não crime de responsabilidade nas pedaladas fiscais, que desencadearam todo o processo.
A verdade, no entanto, é que a presidente gira no redemoinho em que é condenada pelo “conjunto da obra”, com tentativas de obstrução de Justiça ou custeio da campanha pela reeleição com dinheiro sujo de empreiteiras investigadas pela Lava Jato.
No plano administrativo, pesa sobre ela um passivo que acumula a quebra da Petrobras, a desorganização do setor de energia, a leniência com a inflação e a ideologização da política econômica que permitiu a queda do país em sua histórica recessão.
Assim, não são apenas as pedaladas fiscais que servirão de base para os prováveis 342 votos a favor do impeachment, necessários no plenário da Câmara.
Formulada a denúncia, ela passa para o Senado, onde, se aceito o processo, a presidente é afastada por 180 dias, e o vice-presidente assume o lugar dela.
Em 1992, Collor renunciou para não passar por esse demorado julgamento. Caso Dilma não siga o exemplo, Temer já será o presidente e ela não terá mais a caneta para distribuir verbas e favores.
Nesta terça (29/03), o jornal Correio Braziliense calculou em R$ 50 bilhões os gastos que o Planalto tem feito para salvar o mandato da presidente. É dinheiro pago pelo contribuinte e arrecadado pela União.
Num outro plano, a saída do PMDB do governo foi também o pretexto para que se fizesse um outro cálculo. Na retaguarda dos sete ministros, o partido mantinha em Brasília 600 cargos de confiança.
Esse contingente de não-concursados não fará manifestações de protesto por saber que até o final de abril – é esta agora a previsão – Temer já será presidente da República, e todos estarão novamente empregados.
O que permite a seguinte conclusão: um grande partido no governo não é apenas um núcleo político que não precisa necessariamente operar com unanimidade ideológica.
Trata-se, também, do financiamento com dinheiro oficial de um exército que deve fidelidade a quem os nomeou, e não a uma administração comprometida com objetivos públicos.
DO MDB AO PMDB
Esse perfil tem muito pouco do antigo MDB (Movimento Democrático Brasileiro), criado em 1966 como partido da oposição ao regime militar e do qual o PMDB é um descendente direto.
O MDB reunia da oposição liberal, majoritária em seus quadros, aos socialistas dos anos 1950 e ainda abrigava o Partido Comunista Brasileiro (atual PPS) ou o Partido Comunista do Brasil, (hoje ainda PC do B).
A permissão de novos partidos, a partir de 1979, levou de início ao desmembramento do PTB (Ivete Vargas), PDT (Leonel Brizola) e PT (Lula e mais sindicalistas, intelectuais e católicos das Comunidades Eclesiais de Base).
O PMDB foi crucial para a campanha das Diretas-Já (1984) e foi dele, com Tancredo Neves (1985), que surgiu a vitória da oposição no Colégio Eleitoral, que colocou um ponto final no regime militar.
A hiperinflação e a impopularidade do presidente José Sarney (vice de Tancredo, que morreu em abril de 1985, antes de tomar posse) levou o partido a duas campanhas presidenciais de resultados desastrados, com Ulysses Guimarães (1989) e Orestes Quércia (1994).
Antes disso, durante a Constituinte (1988), sofreu com a cisão liderada por Franco Montoro, Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso, que criariam o PSDB.
Os peemedebistas se aliaram a FHC nos dois mandatos presidenciais tucanos. E indicaram o vice na chapa de José Serra, que Lula derrotou em 2002.
Mas o PMDB se recompôs com o PT, seguindo o exemplo do já senador José Sarney, e participou da reeleição de Lula e das duas eleições de Dilma Rousseff.
Com o mais que provável impeachment de Dilma, Michel Temer será o segundo peemedebista a exercer a Presidência sem ter passado pelo crivo das urnas. E também – a exemplo de Sarney – o segundo peemedebista que virou presidente por ter sido eleito como um simples vice.