Na guerra do impeachment, Dilma polariza com Temer
Planalto divulga carta confidencial do vice-presidente e prejudica a tática que apontava Eduardo Cunha como o arquiteto do afastamento da presidente
Aconteceu mais uma vez. Dilma Rousseff tem o hábito de atravessar a rua para escorregar na casca de banana que deixaram cair na calçada do lado oposto.
Ao divulgar na noite de segunda-feira (07/12) a carta pessoal e redigida em termos duros que lhe fora enviada por Michel Temer, o Planalto acelera a ruptura com o vice-presidente e reforça o arsenal dos partidários do impeachment.
A divulgação da carta, obtida pelo jornalista Jorge Moreno, de O Globo, teve outros desdobramentos. Revelou o quanto estão desgastadas as relações entre Dilma e seu vice, que é o mais óbvio interessado no afastamento da presidente, já que poderá substituí-la na chefia do Executivo.
Temer se queixou de ser um “vice decorativo”, “menosprezado” por Dilma, que há cinco anos não confia nele e nem em seu partido, o PMDB, do qual é o presidente nacional.
O Planalto tem razões de sobra para acreditar que o vice tem um acordo com Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, para que o impeachment saia vitorioso no Congresso.
As coisas se complicam porque nesta terça, em princípio, a Câmara deve definir os integrantes da comissão que analisará a petição contra a presidente, encaminhada a Cunha pelos juristas Miguel Reale Junior, Hélio Bicudo e Janaína Paschoal.
O Planalto sabe que um voto favorável ao impeachment na comissão funcionaria como uma bola de neve, a partir da qual o processo seria dificilmente bloqueado. A questão iria ao plenário e, em seguida, chegaria com um carimbo definitivo ao Senado.
Jaques Wagner, o chefe da Casa Civil, articula para que o PMDB, como fiel da balança, indique componentes favoráveis a Dilma. Conta, para tanto, com a cumplicidade do líder da bancada, Leonardo Picciani (RJ), que já nesta segunda fez declarações agressivas a Temer, acusando-o de querer “dividir” os deputados do partido.
Mas peemedebistas provavelmente próximos a Temer protocolaram, com as bancadas da oposição, uma chapa alternativa de deputados que integrariam a comissão. A chapa patrocinada pelo Planalto tem chances maiores de ser a escolhida pelo plenário, em votação marcada para as 17h desta terça-feira.
Com a virtual ruptura entre Temer e a presidente nos jornais, o Planalto indiretamente congela o plano que consistia em forçar na opinião pública à polarização entre Dilma e Cunha.
Ou os cidadãos ficavam do lado dela (“nunca tive contas na Suíça”) ou do lado dele, que está encrencado na Operação Lava Jato e em dificuldades para salvar seu mandato na Comissão de Ética da Câmara.
Essa configuração do embate era amplamente favorável à presidente, já que o plano dela e do Partido dos Trabalhadores era o de também esvaziar as manifestações pró-impeachment marcadas para o dia 13 de dezembro. Quem fosse às ruas estaria, de certo modo, colocando-se ao lado de Cunha.
A narrativa maliciosa consistia também em pressupor que foi Cunha quem “inventou” o impeachment, quando, em verdade, ele foi apenas o canal institucional para que tramitasse o período dos três juristas de São Paulo, encabeçados por Reale Junior e Bicudo.
O fortalecimento de Temer e Cunha desencadeia como fator secundário a tese de que o Congresso Nacional deve entrar em recesso no próximo dia 23, voltando a se reunir apenas no começo de fevereiro.
É justamente o que não querem Dilma, o PT e o ex-presidente Lula. Ao pedirem uma definição rápida em torno do impeachment, o governo e os governistas não querem dar tempo para que o chamado “ronco das ruas” intervenha no processo.
Os partidos de oposição, como o DEM, o PSDB e o PPS, assim como os ativistas do movimento Vem Pra Rua, desejam que a imagem de Dilma se deteriore ainda mais durante o recesso de janeiro. Todos lembram, por exemplo, que em maio e em agosto deste ano o PT e o governo malograram ao tentar organizar manifestações mais numerosas que as favoráveis ao impeachment.
Outro fator que favorece a oposição estaria nas sempre imprevisíveis revelações da Operação Lava Jato. Nesta terça, o Radar Online, da revista Veja, revelou que o ainda senador Delcídio do Amaral (PT-MS), preso há 13 dias, está negociando delação premiada. Por ter sido líder do governo no Senado e pelo trânsito que teve na Presidência, Delcídio é hoje o mais importante "homem-bomba" do mundo petista.
As redes sociais estão em ebulição, com partidários e adversários de Dilma se enfrentando num patamar inédito de agressividade. O país está a uma distância incalculável do que ocorreu em 1992, quando do impeachment do presidente Fernando Collor, quando tudo corria segundo uma quase unanimidade.