Na calada da noite, deputados desfiguram projeto de combate à corrupção
Entre as medidas votadas na madrugada desta quarta (30/11) está a possibilidade de punir procuradores e juízes que determinem investigações sobre fatos que não se comprovem
A Câmara dos Deputados desfigurou, na madrugada desta quarta-feira (30/11), o projeto com as "10 Medidas de Combate à Corrupção", elaborado pelo Ministério Público Federal e objeto de emenda popular, encaminhada ao Congresso com 2 milhões de assinaturas.
A manobra, que contou com a cumplicidade dos principais partidos, consistiu em aprovar, num primeiro momento, o texto do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), relator da comissão especial que tratou do tema.
Em seguida, no entanto, passou-se à aprovação de sucessivas emendas que funcionarão, caso se tornem lei, numa intimidação ao MPF e ao Judiciário, com efeitos diretos na operação Lava Jato..
O projeto aprovado na Câmara segue para o Senado, onde poderá ser modificado, o que obrigaria os deputados a votá-lo mais uma vez.
Há ainda uma longa tramitação pela frente. Curioso é que o texto, que deveria ser exemplar entre os instrumentos de combate à corrupção, não foi mencionado pelos 10 mil representantes dos chamados "movimentos sociais", que promoveram na terça-feira manifestação em Brasília.
O ato, que terminou em atos de vandalismo e com a destruição do andar térreo do Ministério da Educação, foi organizado pela CUT, MTST, UNE e outras entidades próximas ao PT.
Os manifestantes se limitaram a criticar a PEC que limita os gastos públicos, e a reforma do ensino.
Por volta das 4 horas da madrugada, com o fim da votação no plenário da Câmara, o frustrado relator Lorenzoni foi enfático.
"Lamentavelmente, o que a gente viu foi uma desconfiguração completa do relatório, e trouxeram essa famigerada situação de ameaça, de cala-boca, de agressão ao trabalho dos investigadores brasileiros."
Ele se referia à emenda do deputado Weverton Rocha (PDT-MA), aprovada por 313 votos a 132, que prevê a punição de juízes e promotores por abuso de autoridade.
Pelo dispositivo, que muitos acreditam ser inconstitucional, e portanto passível de ser vetado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), seriam punidos membros do Ministério Público que peçam a abertura de investigação por corrupção ou o juíz que aceite essa denúncia, caso, ao final das apurações, o crime não seja comprovado.
Na prática, os promotores só poderiam pedir investigações de fatos sobre os quais já tenham certeza das provas, o que é uma aberração em termos de procedimentos.
O fato é que os deputados se sentiam, na noite de terça, protegidos pela falta de fiscalização mais atenta da opinião pública, cujas atenções voltavam-se, naquele momento, ao acidente aéreo da madrugada, que vitimou a delegação do time de futebol Chapecoense.
MINISTÉRIO PÚBLICO VÊ INTIMIDAÇÃO
O próprio Ministério Público Federal, envolvido na Lava Jato, publicou, na noite de terça-feira, nota alertando para os efeitos dessa emenda.
Manifestou "repúdio a qualquer tentativa de aterrorizar procuradores, promotores e juízes em seu legítimo exercício da atividade de investigação, processamento e julgamento de crimes, especialmente daqueles praticados nas mais altas esferas de poder."
Por sua vez, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, disse que "o que a Câmara fez foi destruir qualquer veleidade de um sistema mais eficiente de combate à corrupção e deixar o caminho aberto para vinganças e retaliações contra a magistratura nacional ".
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Um detalhe grotesco da tragédia cívica no Congresso foi revelado pela Transparência Brasil. O deputado Weverton Rocha, revelou a entidade, é investigado por peculato e corrupção, em razão de desvio de verbas do Ministério do Trabalho, e por crime contra a Lei de Licitação, quando foi secretário de Esporte do Maranhão.
Ou seja, o deputado legislou em causa própria. O dramático, no entanto, é que a maioria de seus pares votou no mesmo sentido, por temores presentes ou em potencial.
Um último detalhe. O PDT, partido de Weverton Rocha, é aliado do PT e do PC do B no atual bloco de oposição do Congresso, ao lado da Rede e do Psol, que não apoiaram a manobra.
MEDIDAS QUE FORAM PARA O BREJO
Pouco sobrou das 10 Medidas que chegaram para a análise do Congresso. Entre aquelas agora derrotadas pelos deputados, estão:
a – o Ministério Público não poderá celebrar acordos de leniência, que é uma espécie de delação premiada praticada pelas empresas.
b - foi suprimida a possibilidade de punir o funcionário público por enriquecimento ilícito, com o confisco de bens relacionados ao crime.
c - o chamado "reportante do bem", pelo qual receberiam recompensa aqueles que denunciassem crimes cometidos por autoridades.
d – responsabilização dos partidos políticos, com até a suspensão de seu funcionamento, caso se caracterize que suas lideranças se transformaram em grupo de crime organizado.
e – mudanças no regime de prescrição de penas, para evitar que recursos sucessivos da defesa dificultem a condenação dos culpados.
No entanto, nem todas as votações da Câmara tiveram um conteúdo tão absurdo e danoso.
Os deputados mantiveram o compromisso de tipificar o crime de caixa dois, sem anistiá-lo, conforme pretendiam na terça-feira anterior (22/11), e que seria objeto de veto do Planalto, conforme Temer alertou no domingo (27/11).
Outros pontos positivos estão no aumento do tempo de prisão para crimes como estelionato, corrupção passiva e ativa, que passam a ser considerados hediondos quando provocarem para a administração pública prejuízos superiores a 10 mil salários mínimos.
Por fim, o texto afirma que uma ação popular considerada procedente pelo Judiciário permitirá que seus autores recebam, como retribuição, de 10% a 20% daquilo que o réu for obrigado a pagar como punição.
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