Cunha quer "efeito manada" na votação de domingo
Presidente da Câmara deseja que votem primeiro os Estados do Sul, mais favoráveis ao impeachment; avalanche atrairia indecisos e comprometidos com Dilma
O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) não é apenas o presidente da Câmara e notório desafeto de Dilma Rousseff. Apesar de sua portentosa ficha corrida judicial, ele é também um excelente regimentalista.
É com essa qualificação que ele trabalha para que a votação do impeachment, no domingo (17/04), se transforme numa enxurrada de votos que não dê margem a dúvidas quanto ao patético destino da presidente.
A ideia de Cunha, já amplamente comentada, consiste em começar a votação pelos Estados do Sul, onde o impeachment teria mais votos. Deixaria o Norte e o Nordeste para o fim.
Com isso criaria um “efeito manada” – também chamado de “efeito cardume” -, pelo qual o desenho robusto de uma tendência no meio da votação acaba por atrair indecisos, fazer gente mudar de ideia e criar um resultado bombástico no plenário.
O Partido dos Trabalhadores e o Planalto obviamente não desconhecem esse plano. Tanto que, na segunda-feira (11/04) de manhã, um dos aliados do governo, o deputado Weverton Rocha (PDT-MA) entrou com pedido de liminar no STF (Supremo Tribunal Federal) para que alguém bloqueasse a manobra.
O deputado Weverton deu azar. O pedido dele caiu em mãos do ministro Edson Fachin, o último a ser indicado por Dilma ao tribunal, mas que rapidamente, construiu a reputação de independência em suas decisões.
Tanto que foi Fachin o primeiro relator do pedido do PC do B que, em dezembro, pedia que o STF forçasse Eduardo Cunha a reiniciar os procedimentos da comissão especial do impeachment. O ministro se opôs, mas acabou como voto vencido.
Pois bem, Fachin deliberou que o deputado Weverton estava querendo que o tribunal se imiscuísse em questões regimentais que a Câmara dos Deputados deveria decidir sozinha.
Em outras palavras, a liminar foi negada. E com isso – bem mais que um detalhe burocrático sobre a forma de votação – o deputado Weverton, o PT e o Planalto passaram a correr o risco de terem invalidada a previsão de uma votação apertada.
Se o “efeito cardume” ocorrer, os cálculos que eram feitos nesta terça-feira (12/04) irão para o cesto das ficções políticas.
Os números mais otimistas para a oposição estão em mãos do deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), para quem já existem 360 votos favoráveis ao impeachment. Ou seja, só 11 a menos que o necessário, numa dinâmica facilmente ampliável em um ou dois dias.
Essa ampliação viria por meio de uma tendência que se acelerou desde que, na véspera, a comissão especial aprovou o impeachment por 38 votos a 27. Era a pior das alternativas elaboradas pelo governo, que contava, como alternativa menos ruim, a derrota por uma diferença de apenas cinco votos.
Pois bem, nesta terça as más notícias vinham dos partidos que compõem o chamado “centrão”, aqueles com os quais o governo pretendia refazer sua base parlamentar de apoio, depois da ruptura – que não foi integral – com o PMDB.
No centrão está o PP. Dilma Rousseff acreditava que o presidente do partido, Ciro Nogueira, entraria com a totalidade de seus 40 votos na contagem contrária ao impeachment.
Mas a bancada do partido vacilou, e Nogueira agora diz que a presidente deverá contar com menos da metade dos votos que ele prometeu.
O mesmo está acontecendo nos terrenos do PR e do PSD, as duas outras siglas desse centrão.
Enquanto isso, o PMDB, que historicamente sempre esteve dividido ao meio – metade a favor do governo, a outra metade, contra – tornou-se amplamente favorável ao impeachment. Dos 67 deputados, só 20 ficarão com Dilma.
Um dos comentários frequentes que esse quadro inspira é o seguinte: Dilma trabalha ao lado do ex-presidente Lula, que é considerado em Brasília, por amigos e inimigos, como um dos mais hábeis políticos da história republicana.
Ele tem prometido mundos e fundos em troca de apoio. Mas falta a ele o lastro do futuro. Se o mandato da presidente chegar precocemente ao fim, o ex-presidente não terá condições de honrar compromissos que assumiu.
É bem verdade que o governo respira aliviado com o pouco oxigênio que lhe resta. Esperava, por exemplo, que a Lava Jato estourasse por esses dias um barulhento petardo, como a prisão, por exemplo, de Erenice Guerra ou Antonio Palocci, ambos ex-ministros do PT.
Mas em lugar disso o explosivo foi bem menor: a prisão do ex-senador Gim Argello (PTB-DF), um bom amigo de Dilma, que há dois anos tentou indica-lo para uma vaga do TCU (Tribunal de Contas da União), operação frustrada pela mobilização de técnicos da instituição, que argumentaram se tratar de um suspeito de crimes graves contra a honestidade da coisa pública.
Em suma, Gim Argello tornou-se peixe pequeno numa época em que os arpões procuram pesca mais graúda.
A glória de uns e a inglória de outros não compõem, no entanto, um retrato definitivo desta contagem regressiva para a votação do impeachment no plenário da Câmara.
As previsões são muito ruins para o governo. Mas num período em que a vulgarização da linguagem jurídica se mistura à linguagem do futebol, a única certeza é a de que nada será definitivo antes do apito final deste próximo domingo.
Ou, como dizem os filósofos do Facebook, “a coisa só acaba quando termina”.
Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO