Cunha e Dilma começam a semana igualmente encrencados
Presidente da Câmara reuniu condições para ser cassado, enquanto a presidente da República é agora objeto da Justiça Eleitoral
Eduardo Cunha e Dilma Rousseff se declaram firmes nos cargos que ocupam, mas ambos permanecem bem vulneráveis.
A presidente da República, em visita à Suécia, declarou nesta segunda-feira (19/10) assegurar “que o Brasil está em busca da estabilidade política” e que não acredita em “qualquer processo de ruptura institucional”.
Com certa liberdade no uso das palavras, ela se refere à possibilidade de impeachment, que é prevista pela Constituição e que, mesmo sendo traumática, não representa um golpe de Estado ou outra forma de ruptura.
Por sua vez, o presidente da Câmara dos Deputados terminou a semana anterior em silêncio, depois de emitir nota em que se diz perseguido pela Procuradoria Geral da República, que comprovou – desta vez com documentos recebidos de promotores suíços – que ele não apenas tem contas no exterior, mas que as abriu utilizando como documento de identidade seu passaporte diplomático.
O deputado se expõe à cassação do mandato pela Comissão de Ética, já que se comprova que ele mentiu em depoimento, há seis meses, à CPI da Petrobras, em que afirmou não ter conta corrente em país estrangeiro.
A versão do Planalto é de que a virtual queda de Cunha traz a Dilma um alívio e interrompe a possibilidade de desencadeamento do processo que interromperia o seu mandato.
O plano inicial de Cunha seria o de arquivar a petição de impeachment redigida por Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior, na última terça-feira (13/10), o que a oposição contestaria, levando o tema ao plenário. Por maioria simples, se instalaria uma comissão que daria o primeiro passo para o impeachment.
O roteiro foi abortado por três liminares emitidas na véspera por dois ministros do Supremo Tribunal Federal. Mas restou a Cunha uma outra carta na mão, que é o de encaminhar a medida extrema sem levar em conta o regimento interno da Câmara, e sim a Lei de 1950 que trata da questão.
A VOLTA DO TSE
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva comentou a interlocutores que, com Cunha em apuros, a hipótese de impeachment estava de vez afastada. Mas não era o caso.
Isso porque na quinta-feira (14/10) o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou, finalmente, que a Policia Federal apurasse os vínculos entre as contas eleitorais da presidente, em 2014, e dinheiro desviado da Petrobras. O assunto já havia sido objeto de delação premiada e, desde julho, o ministro Gilmar Mendes, que é também do STF, fizera nesse sentido uma solicitação formal.
Ao lado do TSE, o outro calcanhar de Aquiles de Dilma foi a reprovação de suas contas do ano passado, um ano eleitoral, pelo Tribunal de Contas da União, em razão de R$ 40 bilhões em “pedaladas fiscais”.
Lula afirmou durante assembleia da Central Única dos Trabalhadores (CUT) que as pedaladas ocorreram para não paralisar programas sociais. O que foi desmentido pela ONG Contas Abertas. Segundo ela, esses programas representaram a apenas R$ 6 bilhões. Os R$ 32 restantes abasteceram financiamentos empresariais no BNDES.
Enquanto isso, o mais discreto dos personagens institucionais, as Forças Armadas, saiu do silêncio. O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse que a atual crise, se prosseguir, dirá também respeito aos militares.
O fato é que o chefe da Casa Civil e ex-ministro da Defesa, Jaques Wagner – veterano e moderado dirigente petista – procurou o deputado Eduardo Cunha no início da semana. Segundo o jornalista Jânio de Freitas, da Folha de S. Paulo, Cunha e Wagner abordaram a questão. Algo como: se houver um incêndio, nos queimaremos todos.
A versão inicial era a de que Jaques Wagner e Cunha estariam negociando uma operação baseada no “uma mão lava a outra”: o deputado não prejudicaria a presidente da República, e ela, por sua vez, pediria que o PT não defenestrasse o deputado da presidência da Câmara. Há 37 deputados petistas que não assinaram o documento que pede o afastamento do presidente da Mesa.
DESENVOLTURA DE LULA
Mas voltemos a Lula. Ele se movimenta com desenvoltura nos bastidores da crise, e também procurou desviar o foco da recessão econômica para a pessoa do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. O ministro, disse na intimidade o ex-presidente, “tem prazo de validade” e é a encarnação de um ajuste fiscal que deveria ser substituído por uma política de crédito abundante para estimular o consumo e, com isso, superar a crise.
Não foi por acaso que no sábado (17/10) o presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, Ruy Falcão, deu entrevista à Folha de S. Paulo em que pediu a demissão de Levy. A presidente Dilma, já em Estocolmo, declarou que o ministro da Fazenda permaneceria no cargo.
Se Falcão foi simples porta-voz oficioso de Lula, a operação mais uma vez não funcionou. Mesmo se na sexta à tarde, com uma carta de demissão no bolso – é a informação do Radar Online, da revista Veja – Levy procurou a presidente e dela recebeu garantias de que não o afastaria do governo.
Tudo indica que Lula tenha desencadeado ao menos quatro batalhas simultâneas para as quais não tem tanta energia acumulada. Ele quer evitar o impeachment, quer preservar o PT, hoje submetido a forte erosão em razão da Operação Lava Jato, quer ser o candidato presidencial de 2018 e, por fim, manter sua biografia ao abrigo de denúncias.
Este último tópico tem sido problemático. Delações vazadas por procuradores e pelo Judiciário indicam que uma nora sua recebeu R$ 2 bilhões desviados da Petrobras, e que dois de seus filhos receberam quantias suspeitas da mesma origem – um deles para remunerar um suposto marketing esportivo.
O paradoxal nessa história é que Lula, segundo confidências dele recolhidas, estaria possesso com o Planalto, acusando-o de não ter controle sobre tais vazamentos de informações. Ora, é justamente esta a acusação do deputado Eduardo Cunha ao Ministério Público: a de praticar vazamentos seletivos que o prejudicam.
FOTO: Antonio Cruz/Agência Brasil