Até que ponto imóvel tombado deve permanecer intocado?
Há mais de seis mil casarões e edifícios tombados na capital paulista, de acordo com o Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) -a maioria, propriedade privada. A questão é que a burocracia dificulta a restauração
Embora seja mais conhecida por grandes transformações urbanas, a cidade de São Paulo é rica em história refletida em casarões, museus, parques e igrejas com aspectos patrimoniais e de preservação.
O que você na foto acima é o condomínio São João del Rei, construído em meados da década de 1920, na rua Dom José de Barros, na República. Trata-se de um dos imóveis mais elegantes da capital, mas que durante anos teve sua fachada vandalizada.
Em maio passado, a recuperação do prédio trouxe de volta o brilho da construção que tem perfil comercial. Neste caso, a iniciativa do restauro veio da própria administração do edifício, em busca de novos locadores.
Bairros como o Bixiga, Barra Funda, Campos Elíseos e Luz, na região central, são os que mais acumulam imóveis com essas características.
No total, a capital já realizou mais de seis mil tombamentos, de acordo com o Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) de São Paulo.
Mas a visível situação de abandono em que muitos deles se encontram, coloca uma questão: até que ponto se deve manter essas construções intocáveis?
O tema foi debatido na sede da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), na quinta-feira (17/08), por membros do Conselho de Política Urbana (CPU) da entidade.
Em geral, os imóveis históricos de São Paulo são amplos, bem arejados e costumam estar localizados em importantes áreas da região central - características muito valorizadas por empresários e comerciantes.
E mesmo sendo tombados, os imóveis históricos podem ser adaptados às necessidades de muitos negócios, desde que obedeçam a alguns critérios legais. É nesse ponto que muitas negociações não avançam.
Diferente das fachadas que de modo algum podem ser alteradas, qualquer mudança interna precisa passar pela aprovação de órgãos públicos, que nem sempre resolvem as questões com agilidade.
Janelas, escadas, banheiros e telhados são algumas das reformas estruturais que, embora necessárias, esbarram na burocracia.
O fato é que 95% dos imóveis tombados são de propriedade privada. Para a urbanista Nadia Somekh, ex-presidente do Conpresp e ex-Diretora do DPH, dois órgãos municipais de preservação do patrimônio, o poder público municipal tem de encontrar meios de estimular os proprietários a conservar seus imóveis.
Segundo afirma Nadia, modificações de incentivos tributários, potencial construtivo e na própria avaliação do tombamento podem solucionar o abandono desses bens.
Outro ponto levantado por Nadia diz respeito à necessidade de mudar a percepção da sociedade sobre como dar nova vida aos imóveis tombados.
Na tentativa de sensibilizar a população e chamar atenção para a preservação e o reconhecimento do patrimônio histórico, artístico e cultural da cidade, a urbanista lidera a Jornada do Patrimônio.
Trata-se de uma série de visitas a importantes endereços de caráter histórico, como, por exemplo, o castelinho da rua Apa, em Santa Cecília, o palacete Teresa Toledo Lara, no centro, e a Vila Itororó, na Bela Vista.
TOMBADO X PRESERVADO
Washington Fajardo, urbanista e ex-presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, defende que os patrimônios deveriam ser todos preservados. Assim, as modificações não precisariam receber o aval de tantos órgãos, umaf forma de acelerar a obtenção das licenças.
De acordo com Eduardo Della Manna, urbanista e coordenador executivo do Secovi-SP, diz acreditar na reabilitação desses edifícios para a construção de habitação popular ou através de benefícios para comerciantes, como a isenção de Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) e não cobrando Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).
"Se não houver gente vivendo nele, o centro de São Paulo não irá resistir", sintetiza.
FOTO: Itaci Batista/Estadão Conteúdo